Apenas os conhecidos rebites, pílulas à base de anfetamina, não estão mais resolvendo a necessidade de condutores de se manterem acordados horas a fio
KEITY ROMA – Da Reportagem do Diário de Cuiabá
Mais de 30% dos caminhoneiros que transportam cargas pelas estradas de Mato Grosso fazem uso de drogas para suportar a jornada excessiva de trabalho. Os já conhecidos “rebites”, comprimidos à base de anfetamina que inicialmente reduzem a sensação de cansaço, estão dando lugar à cocaína. Os dados foram levantados por uma pesquisa realizada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) em parceria com a Polícia Rodoviária Federal (PRF) na BR-364, em Rondonópolis, em maio.
A equipe que realizou a análise flagrou três profissionais em estado de alucinação, sem as mínimas condições físicas para dirigir. Eles conduzem veículos de grande porte sob o efeito dos entorpecentes e colocam em risco todos os demais que trafegam na mesma pista. “O caos terrestre é até maior que o caos aéreo. O problema nas nossas estradas vai muito além dos buracos”, disse o procurador do Trabalho, Paulo Douglas Almeida de Moraes.
Entre os 122 caminhoneiros entrevistados, 18 se recusaram a passar pelo teste de urina, que identifica o uso recente de substâncias tóxicas. O resultado do exame clínico dos outros 104 mostrou que 10% deles havia utilizado anfetamina ou cocaína nas últimas 72 horas, pois a utilização anterior a isso não mostra substâncias no exame.
Apesar do indicador, os realizadores da pesquisa apontaram que a quantidade de profissionais que se drogam é bem maior. Isso porque 18 motoristas que se recusaram a fazer o teste admitiram no questionário que usam cocaína, o que somado a outras informações coletadas pelos pesquisadores faz o percentual superar 30%. Houve casos de condutores que misturaram água ao material entregue para análise laboratorial.
Os números obtidos por meio do laboratório apontaram que 3% dos caminhoneiros haviam utilizado cocaína, 51% ficaram sob suspeita, devido ao teor da substância detectada na urina, e que 8% haviam tomado anfetamina recentemente. “Esse dado ainda está subestimado. Sempre se soube sobre o uso do rebite, mas não se sabia ainda a extensão do problema. Há ainda o fato de que o uso da cocaína supera grandemente o uso da anfetamina, porque essa já não estava mais fazendo efeito”, disse o procurador.
A maioria dos trabalhadores que usam drogas é empregado e não autônomo. Entre os que admitiram o uso, 46% relataram que trabalham por mais de 16 horas seguidas e que dormem entre 4 e 5 horas por noite. Três fatores estimulam os caminhoneiros a colocarem em risco a própria vida e a alheia também. São eles a baixa remuneração, pois pagam parte do combustível, a remuneração por comissão e a jornada excessiva de trabalho, que não é controlada por nenhuma legislação e é consentida pelo próprio sindicato laboral, segundo o MPT.
“Esse é um tipo de exploração peculiar. É consentida e muitas vezes desejada, visando uma maior rentabilidade”, disse o procurador. O grupo colheu depoimento de outros 16 empregados de uma transportadora que proibiu os funcionários de dirigirem entre 23 horas e 4 horas da manhã. Mesmo assim, descobriu-se que 70% dos caminhoneiros usam drogas, isso porque, quando se extinguiu o trabalho extenuante, eles já estavam viciados.